quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Jorge Amado by Jaime Hipólito Dantas

Jorge Amado entrevistado pelo Jornalista e Crítico Literário JAIME HIPÓLITO DANTAS. Postado aqui, para garantir a perpetuidade de tão excelente escrita. De Jaime, pois sim.
Como forma de homenagear o escritor Jorge Amado, morto na última segunda-feira, em Salvador, o jornal O Mossoroense republica hoje uma entrevista que o escritor baiano concedeu ao jornalista e crítico literário Jaime Hipólito Dantas. A matéria foi publicada por este jornal na edição do dia 17 de dezembro de 1959. O escritor veio a Mossoró em virtude do lançamento do livro "O Homem que não Gostava de Cães, do escritor mossoroense Milton Pedrosa.
Acompanhavam o romancista os escritores Valdemar Cavalcanti, José Condé, Eneida e o editor Ênio Silveira. A comitiva de intelectuais esteve na cidade entre o período de 13 a 16 de dezembro daquele ano. Ao jornalista Jaime Hipólito Dantas, Jorge Amado falou sobre vários assuntos concernentes ao campo da literatura e sobre a visão do escritor sobre o movimento cultural do Rio Grande do Norte, especialmente de Mossoró e Natal. Veja a entrevista a seguir:
Por Jaime Hipólito Dantas
"Conheço melhor minhas qualidades do que os críticos. Sei que tenho qualidades e defeitos."
(JORGE AMADO)
Falar de Jorge Amado é falar de um momento literário. Não é fácil. Não é tarefa simples, para ser executada ao correr da máquina, na redação de um jornal. O grande Jorge transcende estes limites. Eleva-se e projeta-se à distância, constituindo, ele só, uma edificação muito ampla na paisagem das letras brasileiras. Diante dele automaticamente nos sentimos menores. A sua presença diante de nós significa também a presença de sua obra, que se agiganta a cada passo, se eleva e ganha em significação à medida em que um novo livro surge.
Paramos para pensar. Fazemos véspera para interrogá-lo, para ouvir-lhe uma palavra. O homem é sério, algo introvertido, não fixa o interlocutor, como se, acima de tudo, preferisse pensar ou entender-se, apenas, com os personagens que cria. Escuta o que lhe dizemos. Dá-nos sua atenção. Mas o jeito como o faz, como se entrega ao diálogo, não o torna uma criatura popular. O riso não lhe é franco nos lábios. Ou não é um riso simpático. O riso largo das pessoas afáveis, ou perdulárias na simpatia que distribuem, não é seu riso.
A pessoa de Jorge Amado tem assim algo de misterioso. Não sei se é o sofrimento do mundo, as desigualdades sociais, a disparidade de métodos de vida, não sei se são estes grandes problemas a causa do seu ar quase de um tristonho constante. Bem que os seus livros são mais alegres. Mais alegres os seus personagens, uma alegria às vezes paradoxal face ao ambiente de agruras a que não raro se ligam.
Meu contato com Jorge foi ligeiro. Conversamos pouco. Dos membros de sua comitiva, liguei-me mais a Condé, a Valdemar Cavalcanti e a Eneida. Cheguei a interrogar um destes sobre a casmurrice do grande Jorge. Eneida adiantou-se a responder: "É a criatura melhor do mundo". Devia ser. Mas, inquietava-me vê-lo como falava com um ou com outro. A um jovem estudante, que foi convidar para proferir uma conferência, respondeu apenas que não podia. Que não tinha tempo. E não entrou mais em explicações. O estudante voltou, tendo-o na conta de um orgulhoso. Outro qualquer, se não atendesse, poria a mão sobre o ombro do jovem, sorria, pedia muitas desculpas, ou prometeria para outra oportunidade, para o dia seguinte, ou para a noite.
Jorge Amado, entretanto, de poucas palavras, e além disto, sempre muito sincero, visceralmente honesto, parece preferir sempre ser ele mesmo, fiel ao seu temperamento arredio, muito sério. Nos raros momentos de conversação que mantivemos, marquei com ele uma entrevista. Foi gentil e se comprometeu. Em qualquer oportunidade estaria à minha disposição.

A ENTREVISTA
Voltamos, de auto, de uma visita às salinas de Mossoró. Como ele e como os outros eu acabara de ver pela primeira vez, de perto, uma pirâmide de sal. Jorge vinha calado, talvez sonolento, ou preso a profundas meditações. Cobrei-lhe a entrevista, ele logo se prontificou.
Primeiro falou dos seus começos na literatura. Escreve desde os 15 anos. Ainda adolescente publicou seu primeiro romance, como todos sabemos. Não tinha muita consciência de seu talento. Achava a ficção algo de muito amplo e, mesmo, desmedido.
Corria o ano de 1931, época de grande efervescência revolucionária, quer no campo da política, quer no da literatura. Saiu aí seu "País do Carnaval". Não contava ainda mais de 19 anos. Era quase uma criança. Uma criança que despontava com algo de muito sério para se introduzir nas letras patrícias.
Apesar das críticas em contrário, disse gostar ainda do "País do Carnaval". Questão talvez em grande parte de ordem sentimental. Era um livro de feitio revolucionário. Livro de acordo com os ditames da época. Experiência bem-sucedida? Claro que sim. Do contrário, de outro modo teria sido o destino dos livros seguintes.
QUESTÃO DE REALISMO
Há uma acusação constante em certos círculos, contra o realismo da maioria dos livros de Jorge. Há os que o tacham de licencioso. Existem mães de famílias que proíbem suas filhas adolescentes de o lerem. Era preciso ouvir a opinião de Jorge Amado sobre o assunto.
Não concordo com essas opiniões, disse. Procuro pintar a realidade. E quando escrevo não encaro como um problema a repercussão que possam ter os meus livros no seio de quem é adolescente. De quem tem 15 ou 16 anos.
O PAPEL DA CRÍTICA
Lembrei-lhe que nem sempre tem sido unânime o julgamento da crítica sobre seus livros. O caso do crítico Álvaro Lins era um exemplo. Outros apontam-lhe graves defeitos de linguagem e de estilo. Alguns mais o acusam de ser excessivamente poético em situações em que antes deveria ser mais prosador.
A pergunta deveria ser sobre se, de um modo geral, tem encarado os juízos críticos sobre seus livros como oportunidade.
– Conheço melhor minhas qualidades do que os críticos. Sei que tenho qualidades e defeitos independentes da opinião dos outros. A crítica exerce, de qualquer forma, um importante papel na literatura. Sou, entretanto, meio indiferente ao que diz de mim e de minha obra, conclui Jorge Amado.
LITERATURA RUSSA
O autor de "Capitães da Areia" é um profundo conhecedor de muitas literaturas. Conhece a literatura francesa e a espanhola. Conhece a inglesa. E, de modo especial, tem demonstrado possuir o maior interesse pela literatura russa.
Oportuno seria, portanto, interrogá-lo sobre a situação atual da literatura soviética. Não teria a revolução e o regime socialista feito arrefecer o ânimo dos escritores russos, fazendo-os bem menores e bem menos expressivos do que os grandes nomes do passado: um Dostoievsky, Tolstoi, um Tchecov?
– Não, respondeu Jorge. Tudo depende de conceito de julgamento. Os escritores da primeira fase da revolução são bons. Um Sholokov não me parece menor do que Dostoievsky.
E Pantenark?
– Pantenark é principalmente um grande poeta. Um dos maiores poetas do mundo atual.
Teria sido, portanto, justa a concessão do Prêmio Nobel?
– Pela significação de sua obra poética, sim. O "Doutor Jivago" é o romance de um grande poeta.
OS MAIORES ROMANCISTAS
Impossível, quando entrevistamos um escritor, não o inquirirmos sobre as obras ou autores de sua preferência. Quais os maiores nomes neste ou naquele setor literário.
Dissesse, portanto, Jorge Amado quais os maiores romancistas brasileiros de todos os tempos, em sua opinião. Sua resposta não se fez esperar, como se já houvesse por muitas vezes respondido à mesma indagação.
Citou José de Alencar, Aluizio Azevedo e Machado de Assis. Sobre o último, fez questão de enaltecer, principalmente, o contista. Sua maior predileção parece ser por Aluizio Azevedo, mestre do naturalismo, autor como ele, Jorge Amado, de romances de profunda integração na paisagem rural, nos mistérios da gente rústica das fazendas ou dos sítios.
Dos romancistas de sua geração, enumerou Lúcio Cardoso, José Lins do Rêgo, José Geraldo Vieira, Graciliano Ramos, Raquel de Queiroz, Érico Veríssimo, Otávio de Faria e José Américo de Almeida, "que abriu o caminho a todos".
PLANOS
A conversação tomava vulto. Jorge Amado a tudo respondia com fluência e solicitude. Aqui e ali excessivamente breve, quase monossilábico. Mas respondendo sempre, e o repórter anotando.
A uma pergunta sobre se já considerava definitiva sua obra respondeu:
– Um escritor que acha ser sua obra definitiva não deve mais escrever.
Então não era o seu caso. Porque sabemos que Jorge continua escrevendo. E escrevendo muito, e fazendo de cada lançamento um sucesso de livraria.
Lembrou que é dos seus planos escrever um romance sobre os vagabundos da cidade de Salvador. Bem assim um outro que será um desenvolvimento do conto "A Morte e a Morte de Quincas Berro d’água". E continuará escrevendo enquanto houver força e assunto.
PRESTES
Mudando um tanto o tom da entrevista, vem a baila o nome de Luiz Carlos Prestes. Sobre Prestes, sabe-se que possui Jorge Amado uma admirável biografia do "Cavaleiro da Esperança". Escreveria ainda hoje, semelhante obra?
– Sim, respondeu Jorge. Ainda hoje poderia escrever o livro, sem reformar nenhum conceito. Prestes merecia de qualquer forma uma biografia.
INTERESSE PELO RIO GRANDE DO NORTE
A entrevista foi encerrada com uma palavra de Jorge Amado sobre o Rio Grande do Norte. Grande admirador de Luiz da Câmara Cascudo, mestre de folclore e da história, conhecia também Raimundo Nonato, Manuel Rodrigues de Melo e outros nomes.
E mais:
–Foi-me muito proveitosa esta visita de agora. Tive a oportunidade de conhecer de perto duas cidades onde, embora com muitos sacrifícios, se vem fazendo muito pela cultura: Natal e Mossoró. Creio que, de agora por diante, terei mais interesse pelo Rio Grande do Norte.
E concluindo:
– Sempre gostei muito de acompanhar o movimento dos jovens. E os jovens de Natal e de Mossoró me despertaram muito interesse.

In http://www2.uol.com.br/omossoroense/1808/univ5.htm

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

A Poesia dos Outros

Escolha

Entre o gostar e amar
Prefiro o gostar:
Sossegado e desaflito.
Amar rede de ferro sobre o mar de porcelana
Não dá para mim
Pequena aranha
Que mal tece seus soluços.

Gostar proficiência, desafogo:
Rede etérea sobre mar cristalizado
Dá para mim
Aracnídea que executa
Mandala de leves contornos
Enaltecendo vazios.

Entre o gostar e o amar
Fico com o que não entranha:
Nem calor, nem frio.

Anchella Monte In Temas roubados.
Em vôo solo. Edições Sebo Vermelho.

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

20 Anos sem Carlos Drummond



SONETILHO DO FALSO FERNANDO PESSOA


Onde nasci, morri.

Onde morri, existo.

E das peles que visto

muitas há que não vi.


Sem mim como sem ti

posso durar. Desisto

de tudo quanto é misto

e que odiei ou senti.


Nem Fausto nem Mefisto,

à deusa que se ri

deste nosso oaristo,


eis-me a dizer: assisto

além, nenhum, aqui,

mas não sou eu, nem isto.

Carlos Drummond de Andrade In Claro Enigma

AS IDENTIDADES DO POETA

(trecho)
(...)
Fernando Pessoa caminha sozinho

pelas ruas da Baixa,

pela rotina do escritório

mercantil hostilou vai, dialogante, em companhia

de tantos si-mesmos

que mal pressentimos

na seca solitude

de seu sobretudo?


Afinal, quem é quem, na maranha

de fingimento que mal finge

e vai tecendo com fios de astúcia

personas mil na vaga estrutura

de um frágil Pessoa?(...)
Carlos Drummond de Andrade In Farewell

Doce desejo II




Quando setembro vier,
vou lembrar de Lindo-Amor.
Dois-Dois:
Amor-Amar.
Cravo e Flor.


by Aluísio Barros (in Dos Amores que Beiram os Meus Caminhos)


Agosto.


Um mês inteirinho dedicado
a Luís da Câmara Cascudo.
Depois, balas de açúcar candy
para Cosme e Damião,
que setembro vem aí.

- Eu acho, visse!

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Mein Kampf, publicado em 1924, na verdade começara a ser escrito aos 20 dias do mês abril do ano de 1889, em Braunau am Inn, na Áustria. Todos sentiram que algo estranho fora vomitado pela Montanha naquela noite. Anabela testemunhou. Mas nenhum Centro Clínico fora capaz de fazer com que o olhar dela mudasse pelo menos de direção por um milimetro de diferença. Não seria apenas o destino dos judeus, eslavos, polonoses, ciganos, negros, homossexuais, deficientes físicos e mentais que começaria a correr perigo. Todos estavam correndo sério risco. E muita coisa ainda iria acontecer. Era só esperar. E todos sabíamos que algo estranho estava por vir. Mas não imaginávamos.