domingo, 29 de abril de 2007

Délicatesse

1. Minhas lágrimas I.
Em um dia de fevereiro, 10 anos antes de hoje. "Dizem que ofendo as pessoas. É um erro. Trato as pessoas como adultas. Critico-as. Crítica não é raiva. E a crítica, às vezes, é estúpida." Paulo Francis.
2. Minhas Lágrimas II.
Há tempos em que tudo se ofusca dentro de mim. Até mesmo a chegada de borboletas vindas de Paris. Cê sabe, ao Anjo, raios e trovões também metem medo!
3. Kingfish.
Cinema, meu Bem, para clarear. Há dois filmes acima da média esperando que a tarde se faça: A Grande Ilusão, baseado no romance do escritor norte-americano Robert Penn Warren (All The King’s Men), que por sua vez se inspirou na trajetória política de Huey Long, governador e senador do Estado da Louisiana, E.U.A, dono de um discurso ao gosto das massas, popularíssimo, demagogo de marré decê. Dirigido por Steven Zaillian (roteirista premiado com um Oscar por A Lista de Schindler) e estrelado por Sean Pean, Jude Law, Kate Winslet e Anthony Hopkins, o filme aborda um problema corrente nas democracias modernas: a corrupção que se instala nas campanhas eleitorais e nos governos.
4. Creme de Chantilly.
A primeira versão de A Grande Ilusão é de 1949 e ganhou três estatuetas: o Oscar de melhor filme, melhor ator (Broderick Crawford) e melhor atriz coadjuvante (Mercedes McCambridge). E você pode até nem saber da grandeza de Robert Penn Warren, mas ele é um dos grandes nomes da literatura norte-americana: sulista, idolatrado também como poeta, é o ganhador do prêmio Pulitzer de 1947, pelo romance All The King’s Men.
5. As flores chegaram! Que flores?
Ah, e você quer por que quer dizer algo sobre o Prêmio Pulitzer, mas não sabe? Tem problema, não, meu Anjo, alteie-se: o Pulitzer é um prêmio americano outorgado a pessoas que realizam trabalhos de excelência na área de jornalismo, literatura e música. Foi criado em 1917 por desejo de Joseph Pulitzer, é administrado pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque, e é anunciado sempre em abril. São 21 categorias e o ganhador leva 10 mil dólares e um certificado. Os próximos indicados serão conhecidos no dia 16. Contado.
6. Suely in the sky with diamonds.
Arretado! O que é arretado, Macho? O outro filme: O Céu de Suely. De Karim Aïnouz. Cineasta da gema do Ceará. A vida de Hermila sendo reinventada, enquanto os nossos desejos de mudanças também vão aflorando. Quereres de caminhos novos pela certeza que tudo é passagem. Travessia. O filme é de uma delicadeza... Ai, Iguatu... saudades tantas pros dias que precisam ainda ser vividos depois e apesar de ti! Viva o Cinema Brasileiro! Vivaaa! Vou rifar o meu Amor. Se vou!
7. Trilha sonora:
Tudo que eu tenho. Dos anos 70. Uma versão dentre tantas de Rossini Pinto para uma canção de David Gates, interpretada por Diana. Tudo. De cortar! O detalhe é que na época, a cantora Diana, ex-Odair José, era dirigida por Raul Seixas. Também: Não Vou mais Chorar. É sim, Aviões do Forró. E ainda Lairton dos Teclados na trilha do filme de Karim Aïonouz. Aí a tarde se alonga em nuvens esparsas, uns pedacinhos de céu azul azulzinho anil e um horizonte horrivelmente descontrolado de tão grande. No NE, o diferente é fora de lugar.
8. Betha, Bethânia!
Ela tem produzido como poucos, desde que trocou as gravadoras multinacionais pela Biscoito Fino, essencialmente voltada para a música popular brasileira. Dois novos discos abastecem os seus fidelíssimos: Pirata, viagem pelo universo folclórico e afetivo das águas dos rios do interior do Brasil, e Mar de Sophia, onde a poesia lusitana de Sophia de Mello Breyner vai pontuando as narrativas que a voz de Bethânia desfia. Maresia? Tem. Muita.
9. Kalliane Sibelli.
Coubera-me, antes de todo o tempo,
este olhar com que te olho, despido,
sob a claridade que escorre da minha mão.
in Exercício de Silêncio. Uma dama que se mostra sutil. Delicadíssima. Merecido ensaio de Leontino Filho. Edições Queima Bucha. Enfim, a Poesia!
10. Jundiaí.
Existirmos... até quando?

sábado, 28 de abril de 2007

Extremos da Paixão by Caio Fernando Abreu

"Não, meu bem,
não adianta bancar o distante
lá vem o amor nos dilacerar de novo..."

Andei pensando coisas. O que é raro, dirão os irônicos. Ou "o que foi?" - perguntariam os complacentes. Para estes últimos, quem sabe, escrevo. E repito: andei pensando coisas sobre amor, essa palavra sagrada. O que mais me deteve, do que pensei, era assim: a perda do amor é igual à perda da morte. Só que dói mais. Quando morre alguém que você ama, você se dói inteiro(a)- mas a morte é inevitável, portanto normal. Quando você perde alguém que você ama, e esse amor - essa pessoa - continua vivo(a), há então uma morte anormal. O NUNCA MAIS de não ter quem se ama torna-se tão irremediável quanto não ter NUNCA MAIS quem morreu. E dói mais fundo- porque se poderia ter, já que está vivo(a). Mas não se tem, nem se terá, quando o fim do amor é: NEVER. Pensando nisso, pensei um pouco depois em Boy George: meu-amor-me-abandonou-e-sem-ele-eu-nao-vivo-então-quero-morrer-drogado. Lembrei de John Hincley Jr., apaixonado por Jodie Foster, e que escreveu a ela, em 1981: "Se você não me amar, eu matarei o presidente". E deu um tiro em Ronald Regan. A frase de Hincley é a mais significativa frase de amor do século XX. A atitude de Boy George - se não houver algo de publicitário nisso - é a mais linda atitude de amor do século XX. Penso em Werther, de Goethe. E acho lindo.No século XX não se ama. Ninguém quer ninguém. Amar é out, é babaca, é careta. Embora persistam essas estranhas fronteiras entre paixão e loucura, entre paixão e suicídio. Não compreendo como querer o outro possa tornar-se mais forte do que querer a si próprio. Não compreendo como querer o outro possa pintar como saída de nossa solidão fatal. Mentira:compreendo sim. Mesmo consciente de que nasci sozinho do útero de minha mãe,berrando de pavor para o mundo insano,e que embarcarei sozinho num caixão rumo a sei lá o quê, além do pó.O que ou quem cruzo entre esses dois portos gelados da solidão é mera viagem: véu de maya, ilusão, passatempo. E exigimos o terno do perecível, loucos. Depois, pensei também em Adèle Hugo, filha de Victor Hugo. A Adèle H. de François Truffaut, vivida por Isabelle Adjani. Adèle apaixonou-se por um homem. Ele não a queria. Ela o seguiu aos Estados Unidos, ao Caribe, escrevendo cartas jamais respondidas, rastejando por amor. Enlouqueceu mendigando a atenção dele. Certo dia, em Barbados, esbarraram na rua. Ele a olhou. Ela, louca de amor por ele, não o reconheceu. Ele havia deixado de ser ele: transformara-se em símbolosem face nem corpo da paixão e da loucura dela. Não era mais ele: ela amava alguém que não existia mais, objetivamente. Existia somente dentro dela. Adèle morreu no hospício, escrevendo cartas (a ele: "É para você, para você que eu escrevo" - dizia Ana C.) numa língua que, até hoje, ninguém conseguiu decifrar.Andei pensando em Adèle H., em Boy George e em John Hincley Jr. Andei pensando nesses extremos da paixão, quando te amo tanto e tão além do meu ego que - se você não me ama: eu enlouqueço, eu me suicido com heroína ou eu mato o presidente. Me veio um fundo desprezo pela minha/nossa dor mediana, pela minha/nossa rejeição amorosa desempenhando papéis tipo sou-forte-seguro-essa-sou-mais-eu. Que imensa miséria o grande amor - depois do não, depois do fim - reduzir-se a duas ou três frases frias ou sarcásticas. Num bar qualquer, numa esquina da vida. Ai que dor: que dor sentida e portuguesa de Fernando Pessoa - muito mais sábio -, que nunca caiu nessas ciladas. Pois como já dizia Drummond, "o amor car(o,a,) colega esse não consola nunca de núncaras". E apesar de tudo eu penso sim, eu digo sim, eu quero Sins.
Caio F. in Pequenas Epifanias

segunda-feira, 16 de abril de 2007

Drops de hortelã-pimenta


1. Macabea: "eu gosto tanto de ouvir os pingos do minuto do tempo assim: tic-tac-tic-tac-tic-tac-tic-tac" (in A hora da estrela, de Clarice Lispector).
2. Os pingos do minuto do tempo, / quando noturnos, / são soturnos se estás distante de mim, / mas desaparecem no teu sorriso / quando adentras o meu corpo / e de mim se apossas. // Hoje, / estou me sentindo tomado por acordes dissonantes / dos pingos / do minuto do tempo.
3. Boa companhia! Impagável a edição com Clarice Lispector, do Instituto Moreira Salles/Cadernos de Literatura Brasileira. Todos os que sabem falar sobre Clarice estão lá: Silviano Santiago, Benedito Nunes, Nádia Battella Goltlib, Olga de Sá...
4. Alerta máximo. Carlos Drummond de Andrade nos avisa: o povo toma pileques de ilusão com futebol e carnaval. São estas as suas duas fontes de sonho. Pois, pois, digo eu.
5. Enquanto isso, a tevê na sala de jantar, mostrava crianças e adultos, nos Andes, num vilarejo de população diminuta, brincando carnaval. Fantasiados de urso. Polar. Eles, assim como os gregos e romanos, comemoravam suas colheitas.
6. Yeats. Como poeta, acho melhor não dizer nada num tempo assim, porque não temos a virtude de corrigir os atos governamentais (in Os Cisnes Sevalgens de Coole).
7. A cada dia, viver me esmaga com mais força. Caio Fernando Abreu. Estão sendo reeditados pela editora Agir: O Essencial da Década de 70 e O Essencial da Década de 80. Nas boas livrarias desde o ano passado. O Essencial da Década de 90 deverá sair a qualquer momento, trazendo Morangos Mofados, o maior sucesso do escritor, é ancorado no vazio despertado pelo fim do movimento hippie e começo de uma nova década, os anos 80, espécie de entressafra ideológica.
8. O Declínio do Império Americano e As Invasões Bárbaras, do diretor canadense Deny Arcand são dois filmes impagáveis, delicadamente políticos e poéticos, uma crítica bem-feita aos relacionamentos e valores contemporâneos, agora em DVD. Assisti-los, em seqüência ou não. De preferência, na companhia de bons e velhos amigos. Incremente: ao invés de pipocas, tábuas de queijo & vinhos. Para se descobrir que ainda há tempo...
9. Padres da província francófona canadense de Québec criticam a Igreja Católica por sua oposição às uniões homossexuais e à ordenação de sacerdotes homossexuais praticantes. Os padres se opõem a uma regra baixada em novembro pelo Vaticano, segundo a qual homossexuais praticantes (santa hipocrisia!), os que tenham “tendências arraigadas” (ferramentas e não paramentos?”) e os simpatizantes da cultura gay (?) devem ser impedidos de chegar ao clero.

10. Pois diga, bichinho! E a próstata?

domingo, 15 de abril de 2007

Ave, Rosa

1. Cinqüentenário. Lançado em maio de 1956, pela editora José Olympio, do Rio de Janeiro, Grande Sertão: Veredas está completando 50 anos. Este livro foi baseado numa viagem que o escritor Guimarães Rosa fez, acompanhando uma boiada, tocando cerca de 600 cabeças de gado. Guimarães, juntamente com oito vaqueiros, percorreu cerca de 40 léguas - 240 km - durante 10 dias, indo da Fazenda Sirga, em Três Marias, à fazenda São Francisco, sediada no município de Araçaí-MG.
2. Grande Sertão: Veredas é considerado o principal romance brasileiro do séc. XX, mas ainda é praticamente desconhecido dos leitores brasileiros. Críticos consideram Guimarães Rosa e Clarice Lispector como os nossos maiores romancistas desde Machado de Assis.
3. Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja. É assim que inicia o romance. São 571 páginas (a minha edição é a 3ª, de 1963). Durante três dias e três noites, um interlocutor letrado, silencioso, com o olhar e meneios de cabeça, vai deixando Riobaldo desfiar todo o rosário de sua vida. Monólogo interior. Narrativa irregular, de enredo não-linear, várias estórias vão surgindo. O olhar de Riobaldo no olhar do doutor. Uma estória dentro de outra estória. Mise-en-abîme.
4. Nhorinhá, Otacília e Diadorim: os três amores: um físico, outro verdadeiro e o último impossível. Diadorim é o grande conflito de Riobaldo: paixão e repulsa, pois está o tempo inteiro travestido de jagunço – Reinaldo. ...quem ama é sempre muito escravo, mas não obedece nunca de verdade.
5. Nhennhennhém... Heeé!... A gente morre é para provar que viveu. Hum? Eh-eh... É. Nhor sim. A gente sabe mais de um homem é o que ele esconde. Ã-hã. A gente só sabe bem aquilo que não entende. Hã-hã. O tempo é que é a matéria do entendimento. Hum, não adiante mais percurar... Tudo, aliás, é a ponta de um mistério, inclusive os fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece há um milagre que não estamos vendo. Vingar, digo ao senhor : é lamber, frio, o que o outro cozinhou quente demais. Hui! Atiê! Atimbora!
6. João Guimarães Rosa (1908-1967) nasceu em Cordisburgo, centro-norte de Minas. Fez o curso secundário em Belo Horizonte. Formou-se em medicina e clinicou pelo interior de seu estado, recolhendo matérias para suas obras. Por essa época, foi autodidata em alemão e russo. Falava o francês, inglês, italiano, alemão; além de alguns conhecimentos em húngaro, russo, persa, hindu, árabe, servo-croata, malaio, sueco, dinamarquês, latim e grego (clássico e moderno).
7. Em 1956, além de Sagarana, em quarta edição, Guimarães Rosa vai lançar também Corpo de Baile (novelas), que depois vai ser desdobrado em três volumes: Manuelzão e Miguilim; No Urubuquaquá, no Pinhém; e Noites do Sertão.
8. Riobaldo. Guimarães Rosa faleceu aos 59 anos. Três dias antes da morte ele decidiu, depois de quatro anos de adiamentos, tomar posse na Academia Brasileira de Letras. Os quatro anos de adiamento eram reflexos do medo que sentia da emoção que o momento lhe causaria. Ainda que risse do pressentimento, afirmou no discurso de posse: "... a gente morre é para provar que viveu.”
9. Ai, Diadorim. Viver é muito perigoso.

quarta-feira, 4 de abril de 2007


1. Tu, onça tu. O cheiro de alfazema vai tomando conta de toda a casa. Não há mais descanso: Caê, pariu! Gravado com três jovens músicos, Pedro Sá, Ricardo Dias Gomes e Marcelo Callado, é um álbum de pop-rock, mas não é só isso: tem também um quê, um não sei lá, sei como (a veia que cria, o verbo que se faz, cornucópia, mucosas) que é puro Caetano! Entendeu? Nem é preciso, meu bem. Ponha a brasa pra rodar! Na quinta avenida, digo audição, os seus ouvidos acostumar-se-ão com o som do novo disco de Caetano. E você vai amá-lo como das outras vezes. E é capaz de se perguntar por que não aconteceu antes desta noite que não se mostra.
2. Eu, jacaré eu. Caetano demonstra o fôlego dos garotos: são 12 músicas novas. A direção é de Pedro Sá e Moreno Veloso (este é filho biológico, o outro é “filho” na acepção familiar, alguém que está muito – muito! – perto). Pedro (guitarra), Ricardo (baixo e piano rhodes) e Marcelo (bateria), além de Caetano no violão, tocam todas as músicas do disco. Caetano pensa em levar esta mesma formação para o palco. O som é ótimo e Caetano continua exercitando a sua capacidade de nos hipnotizar com o seu canto poético-sexual-intimista-psicodélico. E de festa! No sentido de não ser algo triste, melancólico.
3. Ai de ti. Caetano ensina: “Não se trata, porém, de um disco de rock como os que ouço e me interessam: as músicas são minhas, minha voz continua a mesma, meus cabelos estão mais brancos do que pretos, menos cacheados e sempre mais curtos do que quando os tinha longuíssimos - ou mais longos do que quando decidi usá-los curtos”. Você entende! Curta O Herói. É Caetano repetindo velhas perfeitas performances. Crash.
4. Essa é pra tocar no rádio. “Todo o mundo gosta de fazer sucesso. E a mim me traz felicidade poder fazer o que agrada a muita gente, ver que muitas pessoas me ficam gratas e gostando de mim”, alerta Caetano.
5. Você. Nós Dois. “Não me arrependo” é canção para se gostar logo de início. Vai estar na sua, na minha, na nossa rádio. Uma ode a Paulinha Lavigne? Pois, pois, meu bem! O eu-lírico é livre e finge tanto quanto é possível... até esquecer que finge. E vive. Por acaso, é autobiográfica, sim! Mas de qual passado?

6. Lindo mais do que eu.não, nada irá nesse mundo/ apagar o desenho que temos aqui/ nem o maior dos seus erros/ meus erros, remorsos, o farão sumir”.
7. Roça, Camões, roça! Três versos: “Estou-me a vir/ e tu como é que te tens por dentro?/ por que não te vens também?”. Na tua ou na minha?
8. Caetano & Chico. Caetano não estará sozinho: Chico Buarque também está a acontecer com o seu disco Carioca, lançado desde maio, após um tempo de oito anos, período em que se dedicou à carreira literária. A propósito: desde 1993, quando Caetano lançou Tropicália 2, ao lado de Gilberto Gil, e Chico Buarque Paratodos, que não se via os dois, lado a lado nas prateleiras, com discos recheados de canções inéditas.

9. Qual Caetano? Nos anos 70, a chegada do “disco do Chico” e do “disco do Caetano” provocava frenesi entre os fãs. Eles representavam as principais vertentes da Música Popular Brasileira. Eu só sinto inveja dos orgasmos múltiplos.

10. Uroboro.Eu sigo aqui e sempre em frente, deixando minha errática marca de serpente”. Vai encarar? “Meu coração não se cansa de ter esperança/ de um dia ser tudo que quer”.